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domingo, 23 de novembro de 2008

Addiction.

As dores de cabeça estavam-me a consumir aos poucos. Estava rodeada de insectos grandes e gordos que zumbiam à minha volta. Nada nem ninguém os conseguia deter.

Decidi viciar-me. Viciar-me para esquecer. Aliás, para viver. Viciei-me ao que chamo A Minha Droga. Um escape à vida, uma fuga ao indesejável, um esconder do que não quero.
A droga, é da melhor. Não me deixa dormir, não me deixa concentrar-me, não me deixa ser livre. Invade-me o sono, perturba-me a concentração, prende-me de uma maneira mais forte do que eu alguma vez esperei. Não há risco de overdose.
Os dedos percorrem as teclas do telemóvel e digitam a mensagem que nunca é enviada. Os olhos vagueiam no horizonte à espera do impossível (ou então focam o retrato que torna belo o monstruoso). Os ouvidos, bem, esses, não se cansam da mais bela melodia.
Tudo seria fácil se a droga não viciasse como vicia. Tudo seria fácil se as palavras tivessem mais sentido e a presença fosse total.

Se estivesse por aí, nunca mais te largava vício. Se pudesse, saía do mar directa para a areia para que esta ficasse colada a mim, para que o vicio ficasse colado a mim.


Grito alto e ninguém me ouve. Acho que falo uma língua diferente. Mas sempre assim o foi, agora não muda.
Vício mais agradável... vício mais saudável.

domingo, 28 de setembro de 2008

Dedicatória

E é assim. Continuo sentada à espera que a ideia surja para a poder agarrar e prender no papel. Como que por um acto de malandrice, ela anda à minha volta mas foge. Começo a correr atrás dela pela casa até que a encontro recostada na cadeira verde de madeira que está na minha varanda. Por pura sacanagem, ela começa a falar comigo só para fazer pirraça mostrando-me que sabia o que eu queria escrever. Fi-la sentir-se confortável e lá consegui falar com ela. Começámos a divagar alto sobre os mil e um trilhos da existência. Concordámos que a vida se revela ao mundo como uma alegria. Há alegria no jogo eternamente dominado pelas suas matrizes, na música das suas vozes, na dança dos seus movimentos. A morte não pode ser verdade enquanto não desaparecer a alegria do coração do ser humano. Se me sentir cansada, sento-me a descansar à beira do caminho, mas sempre virada para a frente para ver o que me falta andar, e de costas viradas para o que já andei. Afinal, trata-se tudo de atingir a meta. Ser Homem significa escolher um objectivo dirigir-se para ele com toda a conduta, pois não ordenar a vida a um fim é sinal de grande estupidez.

A ideia ali sentada vai debitando pensamentos soltos que tento apanhar a todo o custo. Alguns mais difíceis que outros, mas todos possíveis. Até o vento me distrai, e perco-me no vago. Estar perdida implica errar. Metade dos nossos erros na vida nascem do facto de sentirmos quando devíamos pensar e pensarmos quando devíamos sentir. Orgulho-me de pensar e sentir. A vida ensinou-me a fazer as duas coisas na altura certa.

As rugas não trazem só o meu ar de mulher vivida. Trazem-me aquilo que muitos querem e poucos alcançam, experiência. Não basta existir para se ganhar experiência. É preciso viver. Aprendi que não são precisos nove meses para fazer um Homem, são precisos sessenta anos. Sessenta anos de ideias, de sonhos, de realidades. Sessenta anos de amores, desamores e desilusões. Nunca confundi amor com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos. Contrariamente à opinião comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do amor, esse é que faz sofrer. Assim, sei reconhecer aquele que ama verdadeiramente: é aquele que não pode ser prejudicado. O amor verdadeiro começa onde não se espera nada em troca.

Sempre lutei na vida. (Ainda há pouco lutei com a maldita ideia que não queria assentar no papel.) A minha maior guerra sempre foi e sempre será a tal travada com a imbatível inteligência. O génio consiste em um por cento de inspiração e noventa e nove por cento de transpiração. Talvez ainda não tenha transpirado o suficiente. Mas sei que não sou burra. Há marcadores naturais de burrice. Ninguém experimenta a profundidade de um rio com ambos os pés. Quem o faz ou tem um atraso, ou demasiada fé. Acredito que a fé possa trazer felicidade, mas há que saber equilibrar a fé e a racionalidade. Juntas garantem sucesso. O importante numa religião não é saber se Deus existe ou não, é acreditar em alguma coisa. Acreditar em alguma coisa, faz-me feliz. Se não encontrar a felicidade em mim mesma, é inútil procurá-la noutro lugar.

Esta varanda é o lugar que me faz feliz. E a minha companhia, a ideia, está determinada a resumir em poucas palavras aquilo que senti ao longo do meu percurso. “Mesmo que tenhas dez mil plantações, só podes comer uma tigela de arroz por dia; ainda que a tua casa tenha mil quartos, nem de dois metros quadrados precisas para passar a noite.”- disse ela sabiamente julgando que não compreenderia. Mas compreendi. Existem apenas duas maneiras de ver a vida. Uma é pensar que não existem milagres e a outra é que tudo é um milagre.

Viver e aprender conduz ao sucesso. Vencer não é nada, se não se teve muito trabalho; fracassar não é nada se se fez o melhor possível. Na maioria das vezes, “o melhor possível” é sinónimo de ascensão na vida. O difícil não é subir, mas, ao subir, continuarmos a ser quem somos. Muitos sobem e vencem, mas poucos continuam felizes. Não importa o simples facto de se ter sucesso, mas sim o facto de se ter sucesso e amigos. Nenhum caminho é longo demais quando um amigo nos acompanha. No entanto, nem todos sabem o que é ser-se amigo. Alguns pensam que para se ser amigo basta querê-lo, como se para se estar são bastasse desejar a saúde... É por isto que há tanta gente a queixar-se por ter caminhos demasiado longos e penosos pela frente. Sentam-se a olhar para trás e recusam ajuda para se erguerem de novo, apenas por uma questão de orgulho. Sempre foi o maior erro do ser humano, o querer parecer.

As pessoas andam envoltas numa névoa de fumo que não deixa transparecer o verdadeiro. Tornou-se moda fumar, especialmente fumar a falsidade. É por isso que há tanta lei anti-tabaco, é para as pessoas finalmente se conhecerem. Acredito que nem pais e filhos se conheçam. Nada é como antes, nem vai voltar a ser.

-Estou cansada – digo na esperança de ouvir resposta – e tu? Ideia? Estás-me a ouvir?

Também ela se cansou e foi embora. Vivo num mundo cheio de pressa. Pode ser que um dia, demasiada pressa colida e desmascare a lentidão camuflada nesta sociedade de fingimento.




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Este texto foi dedicado à Alexandra Pereira no seu livro de dedicatórias.


sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Enrolado.


Depois de desligar o telefone sentei-me no meu sofá de pele. Vi a sala rodar sobre mim como se eu fosse um eixo mas já nem tinha a certeza para que lado roda o mundo. O meu parece rodar no sentido oposto dos outros.
Parei para pensar e acendi o cigarro. Ele mata-me aos poucos e dá-me vida. Cada pedaço de mim que esmorece, é um pedaço salvo da vida que tenho de levar. Se as imagens não fossem distorcidas, haveria mais gente a lutar e menos a fraquejar, perdendo-se pelo caminho e acabando junto de pedras.
Abri os olhos e quis ver o que me rodeava pelo menos mais uma vez. A única coisa que vi foi um nevoeiro denso que me ofuscou da realidade pura onde cirando aos tombos desesperando ajuda. Esfreguei os olhos. Continuei a ver o mesmo. Talvez o erro não seja meu, ou então já estraguei demais e os vícios não me deixam voltar atrás.
Como se de uma linha se tratasse puxei os tempos passados da minha vida para junto de mim e assim quis acabar enrolado nos nós da existência e nas subtilezas do não haver.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Ardentemente Frágil

A minha vida é como uma chama. Temo o vento.

Tanto sou forte e domino quem me tenta apagar e temo o mais natural, como as massas de ar que se deslocam sobre o mundo onde vivo. Creio no poder da alma que me ilumina e na ignorância que me apaga. Há ainda muito para aprender, mas poucos para lutar pelo conhecimento.

Aqueles que bebem da mesma fonte que eu ambicionam que a poeira assente e que as raízes molhadas das árvores me abracem para proteger do vento. Também temo a água. Talvez seja melhor lutar sozinha em vez de me aliar às raízes, sofro antecipadamente por que elas me apaguem.

Tenho luz própria e sei que sozinha posso iluminar outros. Desejo-lhes sempre o dobro do que me desejam a mim. É o meu lema, é o meu combustível.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Gostamos sempre de alguém.

Gostamos de alguém, desde sempre. Desde o momento que a vemos pela primeira vez, até morrermos. Aquela pessoa que te marca, desde o princípio, desde o momento crucial. Aquela pessoa, que por muito que tentes evitar, recai sempre no teu pensamento quando te deitas numa cama sozinha, no escuro de um quarto, e que aparece sempre nos teus sonhos. Não é uma obsessão, e por muitas vezes nem sequer te apercebes disso, mas é aquele sentimento que está lá sempre. Apaixonas-te por outra pessoa, és feliz com ela, mas há lá sempre aquela coisa que te deixa imaginar como seria se a vida não tivesse corrido assim, se não tivesses tomado a decisão de virar as costas a esse alguém, como teria sido tudo. Mas não voltas atrás, nem tomas isso como hipótese. É sempre aquela dor de barriga quando o vês, há sempre aquela tensão de uma história mal resolvida. Mas ficas feliz por ser assim, por teres conservado aquele sentimento, e no entanto teres encontrado a felicidade de outra maneira.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Comptine d'un autre été

[Aconselho a leitura desta espécie de coisa com esta música de fundo: http://www.youtube.com/watch?v=xNEWyy4Qhg4 ]



E naquele momento vi passar toda a minha vida perante mim. Enquanto tocava “Comptine d’un autre été” no meu piano senti a minha longa vida de setenta e oito anos resumida em dois minutos e vinte e dois segundos. A certa altura senti as mãos da minha falecida esposa a acompanharem-me e ela a dar-me um beijo doce na cara. Lembrei-me das nossas discussões estúpidas nos tempos de juventude que acabavam em noites quentes de amor. O dia do nosso casamento foi o mais feliz e nesse dia encontrei sentido para a minha vida. És a mais bela, Laura. Sinto a ta falta… Amo-te. Reconheço os teus traços da cara mesmo hoje. Lembro-me de todas as tua rugas da idade que tinhas e que eram (e continuam a ser) as mais bonitas que alguma vez vi. O teu cheiro não sai dos lençóis e sinto a tua presença a aconchegar-me todas as noites. As tuas mãos quentes que me tocavam o rosto todos os dias de manhã, vão agora sendo esquecidas aos poucos... Mas depois de dez anos não acho estranho. Há uma coisa que é constante na minha memória: o nosso jogo da verdade. Todas as noites, tu e eu, dizíamos o que sentíamos sinceramente sobre alguma coisa. Muitas foram as noites em que se dizia “adoro-te” e a noite era longa. Sinto a falta de tudo isso.

Quando introduzi a mão direita na música, e consequentemente as notas mais agudas, recordei os meus tempos da guerra. O meu melhor amigo morreu-me nos braços… Tínhamos vinte e seis anos. És o mais forte de todos, José! Sinto a tua falta, a falta daqueles discursos sobre o certo e sobre o errado. Só tu sabias sempre o que dizer. Não havia tema que eu não te apresentasse e que tu não tivesses já opinião formada e discurso pronto para mim. Morreste de uma maneira tão estúpida! Porque nos obrigaram a ir para ali? Porque tiveram os inocentes de partir?! Nunca encontrámos a resposta e o resultado é este: eu não te tenho aqui comigo. Ainda me recordo daquela tarde em que nos sentámos nas escadas a ver as raparigas a passar. Acabámos por casar com as meninas dos nossos olhos e sermos felizes. Nós atirávamos pedras para que elas olhassem para nós. Ahh… Éramos tão tolinhos. Mas foram momentos tão felizes passados contigo. Juntos aprendemos que os homens também choram. Até sempre meu Amigo!… Sinto que em breve nos encontraremos.

Mais á frente lembrei-me dos meus tempos de juventude. Era tão ingénuo. Lembro-me do dia em que recebi o relógio de bolso do meu avô. Eu tinha apenas dez anos e jamais me esquecerei disso! Amo-te tanto avô! Sim, homem que é homem também ama a família e não tem vergonha de o fazer. O meu avô foi a pessoa mais importante da minha vida. Foi com ele que aprendi o que sei hoje e aliás, foi ele com as suas mão gastas pelo tempo que me ensinou a tocar piano. Foste tu, avô, que me deste as dicas para ensinar a conquistar a mulher que ainda hoje amo. Foste tu que me limpaste as lágrimas quando a avó morreu no acidente de carro com os meus pais. Eu tinha doze anos e já sabia o que a vida guardava às pessoas. Sabia que tinha de lutar pelo que queria e que nada se conseguia sem esforço. Ensinaste-me que a avó e os meus pais iam estar sempre no relógio e quando precisasse de falar com eles apenas tinha de o agarrar e olhar a estrela mais brilhante do céu. Muitas foram as vezes que o fiz mas mais ainda as que corri para ti para te abraçar e deixar-te ver-me chorar. Deixaste-me dois dias antes de casar e entendi isso como um sinal. Sinal de que a minha mulher viria oferecer-me aquilo que outrora me deste. Obrigado por teres passado fome para me alimentar, por teres rasgado as tuas roupas para me aquecer. Obrigado por me teres apoiado nos momentos mais difíceis da minha vida, mas principalmente Obrigado por teres sido a minha família. Em breve falaremos.

Quase no fim da melodia recordei os tempos do ciclo em que corria pela casa com o meu amigo que já na altura era o José e brincávamos aos soldados. Ah, ingénuos! Não sabíamos o que nos esperava. Tempos alegres foram esses da nossa meninice. Éramos leves. Mais que tudo, eu era feliz. Nunca tinha reparado como a vida passa tão depressa mas agora que aqui estou e toco esta última música sinto a vida a escapar-me pelos dedos. Doença estúpida! Coração fraco! Guardei estas últimas forças para tocar no piano do meu avô e foi das escolhas mais acertadas da minha vida.

Agora percebo quando me diziam que não valia a pena discutir nem lutar por causas perdidas. A vida é só uma e eu orgulho-me de dizer que a vivi da melhor maneira. Evitei aborrecer-me e aborrecer. Sim, sofri muito nesta vida e sei que não vou voltar a ter companhia. É a lei da vida. Os velhos acabam sozinhos e não são levados a sério pelos mais novos. Ah…. Tantas foram as vezes que tentei evitar que a rapaziada se metesse em problemas porque não valia a pena, inúmeras foram as vezes que pedi para que estudassem e pudessem ser alguém nesta complicada e dura vida, incontáveis foram as vezes que mostrei que sofrer por antecipação não vale a pena porque a vida encarrega-se de nos magoar para nos chamar à razão e provar que sonhar é bom mas fazê-lo em demasia causa desilusões. O filme da vossa vida é pintado com as cores que vocês criam. Escolham bem o que querem fazer e nunca pensem que terão tempo para fazer tudo. Fui feliz mas muita coisa ficou por fazer. Aquela viagem à Áustria com o José ficou por fazer e a boda de ouro com a Laura nunca teve tempo para acontecer. Arrependo-me e tento ensinar quem ainda não apreendeu. Fico sempre de fora porque sou só mais um velho pobre e sozinho esta vida. Não me levam a sério e perdem com isso. Muito teria para ensinar.

Vejo o meu reflexo no piano cuidadosamente limpo. A minha cara está estragada pelo vento, tenho as lágrimas a caírem-me pelo rosto e poucos são os cabelos cor da cal que ainda me restam. Queria tanto que a Laura, o José e o avô me vissem agora! A Laura dizia sempre que os cabelos brancos eram sabedoria. E o José dizia que nunca haveria de ter sinas de velhice no rosto e que viveria até aos cem anos. O meu avô sempre me ensinou que nem todos eram capazes de chegar à idade dos cabelos brancos porque muitos ficavam pelo caminho derrotados pela miséria.

Sinto-me realizado e feliz. Amo-te vida!

Soou o último acorde da melodia e o pobre velho deixou-se cair sobre o piano com o antigo relógio no bolso. As pessoas importantes da sua vida aguardavam-no lá em cima. Agora ele está ainda mais feliz.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Banco.

Não sei o exactamente porquê mas desde que aquele banco dali saiu nada voltou ao normal. Os teus olhos não têm brilho e são frios. A alegria que noutros tempos tinhas desapareceu tão rápido como aquele banco de jardim dali saiu.

Tudo o que sonhaste, o banco derrubado matou. Agora a vida está sem cor e distante. As palavras que usas são cruas e de prepotência, magoando aquela que outrora amaste e desejaste mais que a tua própria vida. É ela que te faz ver o sentido da vida e te enche de cor o filme da existência. Ela é esbelta e culta matando os tempos mortos que te relembram o que noutros tempos viveste, na altura em que o banco ainda existia.

Como pode um simples banco mudar tanta coisa? Talvez não haja uma resposta racional mas o facto é que muda e destrói esperanças. Todo o futuro que tinhas imaginado (e ela também, sem saberes) derruba como se nunca tivesse tido suportes para a sua sustentabilidade e jamais fosse possível existir tal maravilha criada no imaginário. Tu não sabes, mas ela também sofreu com o derrube do banco. Porque não falas com ela? Porque não lhe perguntas como se sente? Ela não está feliz.

Ainda te lembras da primeira tarde no banco? Aquela em que tu lhe puseste o braço direito por cima dos ombros e ela te deu a mão. Foi uma tarde tão feliz e que causou tanta inveja. Tu estavas feliz e isso notava-se, mas ela também estava.

Ela apenas tenta esconder o que sente porque tem medo de seguir em frente! Ela tem medo que a magoes e tem medo de acreditar numa coisa que pode nunca vir a ser verdade. Ajuda-a, ela precisa.

Tu finges que não te afecta e até já mudaste de banco e arranjas-te outra “ela”. Não prestas. És frio, egoísta e tens o rei na barriga. Tu gostaste tanto do banco como ela e não podes negar. Todos repararam no sorriso parvo esboçado na tua cara quando falavas dela e a tocavas como se soubesses que era tua para sempre. Podes ser feliz.

Tens saudades do banco que não passava de um bocado de madeira velha e húmida, mas as coisas simples têm muito encanto. O vosso perfume permanece naquele espaço e quando lá vais ainda a consegues ver à tua espera com os olhos verdes e o cabelo cor de amêndoa. Tudo era mais fácil se não quisesses mostrar esse teu lado de homem forte e que não sofre. Muda. Sê feliz. Fá-la feliz.

sábado, 10 de maio de 2008

O Meu Piano.

Neste mundo escuro são poucas as vezes que consigo fugir da realidade que vivo que na verdade não é a minha. Vivo aquilo que a sociedade dita e permite.

Ai!... Se não fosse o meu piano.

Cada passo no mundo é uma encruzilhada de problemas que surgem não sei bem de onde mas não me deixam de perseguir. As ruas estão cada vez mais escuras e se queres atravessar não há passadeiras e são escassas as vezes que o trânsito te deixa passar. Tens de arriscar e saltar em frente no momento oportuno. (Há sempre momento e lugar oportunos, só tens de procurar os teus.)

Nesta escuridão imensa tudo me deixa à beira da loucura.

Ai!... Se não fosse o meu piano.

Com o piano compilo melodias leves que me permitem sonhar e imaginar o inimaginável, alcançar o inalcançável e conquistar o inconquistável.

Mesmo no meio do fumo negro que provém dos passos acelerados das pessoas que não estão interessadas em interagir, eu consigo encontrar paz junto do meu instrumento de muitas teclas onde as minhas mãos voam sem custo.

Na minha face esboça-se um sorriso parvo e inocente de quem está apaixonado. De facto estou. O piano é o meu amor. Quero um dia ser como os grandes…

A fuga ao mundo real está naquele piano que está só no meu sótão. Aí não há movimentos bruscos, antipatia ou escuridão. A serenidade e plenitude estão à distância de um pressionar ordenado e compassado das teclas que deixam que a minha mente voe.

Deixa-me sonhar piano!

Mundo

O mundo vira as páginas mais rápido que eu. Não consigo saborear cada palavra porque o mundo pede-me para passar à frente. A velocidade a que ele funciona é muito superior à minha e não consigo viver.

Este mundo está cada vez mais negro e encruzilhado. Os caminhos feitos pelas pessoas são paralelos para evitarem interacções. Acabaram os toques, os cheiros, as conversas. Agora tudo é coberto de fumo e barulho que não sei bem de onde vem mas que incomoda e impede a vida quotidiana, pelo menos a minha, de funcionar como antes pudera funcionar.

Antes podia andar pelas ruas e cruzar-me com pessoas, rir e esperar um dia sempre melhor. Agora isso não passa de uma ideia remota que nem os meninos pequeninos têm. Aliás, eles nunca pensaram nisso.

As pessoas são como fotocópias umas das outras e têm como modelo a seguir uma criatura demoníaca chamada moda. Todos são iguais, pensam da mesma maneira e vestem igual, como se tivessem sido criados em série numa fábrica. Onde está a diferença e a liberdade? Preciso disso.

Olho nos olhos das pessoas e já não me vêm como antes. Estão diferentes, mais distantes e frias, mais escuras e desligadas do mundo.